Estudos sobre a genética de tumores raramente trazem conclusões radicais do tipo "este é o gene do câncer", porque a malha de processos que desencadeiam a doença é muito complexa. Um grupo de cientistas no Reino Unido, porém, acaba de apontar uma mutação genética que pode, por conta própria, desencadear o melanoma, o câncer de pele mais letal.
A alteração de DNA estudada pelos cientistas fica num gene batizado de BRAF e está presente em 70% dos melanomas. Um estudo liderado por Richard Marais, do Instituto de Pesquisa do Câncer, em Londres, conseguiu criar a mutação de maneira controlada em camundongos e mostrou que ela pode desencadear o processo que leva melanócitos (células que conferem pigmentação à pele) a formarem tumores.
O sucesso da pesquisa tem implicação tão direta para a clínica que os cientistas já começaram a testar drogas nos animais geneticamente alterados para o tratamento do tumor.
"Nós estamos trabalhando na validação de medicamentos, com drogas que já existem", disse à Folha o patologista Jorge Reis-Filho, coautor do estudo. Segundo ele, há alguns anos, testes clínicos de drogas já tentaram atacar o BRAF e outros genes relacionados, mas os resultados não foram bons. Com os pesquisadores conhecendo mais precisamente seu alvo, porém, as esperanças são maiores. "Agora há inibidores do BRAF mais potentes e mais específicos", afirma. "São esses que a gente vai explorar."
Além de terem revelado um mecanismo para a formação de melanomas, os novos roedores geneticamente alterados poderão servir como modelos animais para estudar a doença.
Em estudo no periódico científico "Cancer Cell", Marais e colegas mostram como foi possível criar os animais. Não foi um experimento trivial, já que o gene BRAF também é ativo em outros tipos de célula do organismo, e os cientistas precisavam fazer com que as cobaias manifestassem a mutação só na epiderme.
O truque foi usar um "promotor", ou seja, vincular a ação do gene escolhido a uma molécula específica, que promove sua ativação. Reis-Filho explica o segredo: "introduzimos o gene mutante no genoma de todas as células do animal, mas o pusemos sob um promotor que é ativado só nos melanócitos, a tirosinase". Essa é uma das moléculas envolvidas na síntese da melanina, molécula que dá pigmentação à pele.
O problema é que há células fora da pele --neurônios, por exemplo-- que também produzem tirosinase. Para garantir que essa molécula promovesse o gene mutante apenas na pele, então, por sua vez, os cientistas vincularam sua ação a uma droga especial. "Quando a gente passava essa pomada, apenas os melanócitos expressavam o gene BRAF com a mutação", conta Reis-Filho. E, por fim, conforme os cientistas queriam demonstrar, o BRAF mutante gerava um melanoma.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u551437.shtml
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